Qual a coisa que mais destrói a reputação de uma empresa? Fácil: o mau atendimento, principalmente em empresas de serviços. Aliás, empresas de telecom e de software são famosíssimas por serem odiadas em função do seu péssimo suporte ao cliente. E por que isso é tão frequente? Será que essas empresas, a maioria grandes, não sabem da necessidade de prestar um bom pós-venda? Claro que sabem, ninguém é tão infantil assim. Então por que não investem na melhoria do suporte ao cliente? Calma lá, investem sim, e muito! Só que fazem tudo errado, como veremos.
Uma das piores coisas que aconteceu para as empresas de serviço do ano 2000 para cá foi a adoção em massa da gestão de atendimento por SLA, sigla em inglês para “Service Level Agreement”, o que traduzindo vira “Acordo de Nível de Serviço”. Para quem não conhece, SLAs são contratos firmados entre o prestador de serviço e o cliente que regulam, entre outras coisas, em quanto tempo você será atendido e em quanto tempo seu problema ou dúvida será sanada.
SLA pode até ser interessante para infraestrutura, mas quando envolve serviços que devem evoluir com o tempo (como software), se torna uma catástrofe. Tanto que frequentemente me perguntam qual é o SLA de atendimento da minha empresa (que faz software de gestão na nuvem), e eu respondo enfaticamente: não temos SLA. Mas aí vem a réplica...: “...mas como vou ter garantia que serei atendido com agilidade? ”, e eu respondo também enfaticamente: “use o nosso suporte por um dia e depois conversamos”.
Mas chega uma hora em que essa pergunta merece uma resposta mais completa, e este artigo é a tal resposta. Sei que parece justamente o contrário, que um SLA é uma garantida de bom atendimento, aqui você vai entender por que o SLA é na verdade um câncer que pode se espalhar pela empresa prestadora de serviços e mata-la lentamente de dentro para fora. Então vou contar uma estorinha (hipotética ou nem tanto) para exemplificar meu ponto.
Vamos voltar para o ano 2005, onde o personagem que vamos chamar de Luizinho gerencia a área de suporte de uma empresa de software. Os clientes, que antes eram satisfeitos, começam a reclamar da qualidade do atendimento. O diretor que é o chefe do Luizinho acabou de encontrar uma solução que já vem sendo usada com sucesso dentro e fora do Brasil há tempos e declara: “Teremos agora um SLA para por a casa em ordem”. Ele então vai até os clientes e pergunta: “se eu garantir em contrato que em 95% dos seus chamados o meu suporte vai lhe atender em 10 minutos e resolver o seu problema em até 2 horas você ficará mais feliz? “. E o cliente responde: opa, agora senti firmeza! O diretor vai logo em seguida ter uma conversa com o Luizinho:
“Luizinho, é o seguinte: agora temos um SLA com os clientes, e você é o cara que deve manter esse índice, inclusive seu bônus dependerá desse indicador daqui em diante“. O Luizinho devolve: “de acordo, mas para isso eu precisarei contratar e treinar atendentes novos” - desejo prontamente atendido por seu chefe, que de partida não se nega a investir no suporte.
Até aqui tudo bem. O SLA começa a dar resultado, os prazos são cumpridos e o cliente fica mais satisfeito, só que misteriosamente essa satisfação começa a deteriorar ano após ano, chegando a 2010 com uma situação novamente preocupante, apesar de todos os indicadores estarem razoavelmente bonitos. Então seguindo a lógica de “se uma comida é boa, coma mais”, o diretor diz: “Luizinho, vamos apertar o SLA e dar um atendimento mais ágil para retomar a satisfação dos clientes. Agora quero 97% dos chamados atendidos em 5 minutos”. Só que os custos começaram a incomodar, e para o desespero dos clientes, Luizinho adota um novo modelo que também acabou virando padrão nas empresas como a dele: vamos fazer 3 níveis de atendimento, com um batalhão de pessoas de baixo custo fazendo a triagem (também chamado de nível um) e concentrar as pessoas boas e caras nas coisas complicadas - níveis 2 e 3.
O cliente, que já não estava feliz vai à loucura: agora ele é obrigatoriamente atendido por um pobre diabo que conhece muito menos do que ele sobre o produto, e só depois de passar por toda uma lista de perguntas do tipo “Senhor, o seu computador está ligado na tomada? ” é que ele tem acesso ao nível 2 ou 3 – mas o SLA de atendimento em 5 minutos é cumprido! A satisfação do cliente piora ainda mais, o que atrapalha as vendas da empresa, jogando-a num espiral negativo.
Agora vamos estudar um pouco o que aconteceu nos bastidores: Luizinho tinha uma meta e ganhava um bônus se cumprisse o tempo de atendimento contratado. E ele fez de tudo para bater essa meta, virando um “super fechador de chamados”, pouco interessado na qualidade. O mais grave dessa história é que a empresa não aprende nada com esse valioso contato com o cliente e o produto não evolui, já que o foco do Luizinho é atender ao SLA ao invés de informar e cobrar da área de desenvolvimento da solução dos problemas mais frequentes dos clientes. E ainda tem uma pegadinha, imagine: “Todo usuário tem sempre uma certa dúvida que conseguimos resolver e fechar o chamado em 2 minutos, o que melhora o nosso índice médio, então cala a boca e deixa o problema lá que ele ajuda a bater a meta do SLA” – deduz Luizinho. Ou seja, se os problemas simples sumissem, ele ficaria apenas com os problemas cabeludos e não chegaria nunca na meta de tempo médio de atendimento – curiosamente, problemas simples (mas que irritam muito o cliente) passam a ser benéficos para o indicador de desempenho de Luizinho.
Acho que todo mundo já passou por uma situação assim ao falar com uma central de atendimento. Mesmo que o serviço seja rápido e o problema resolvido, fica um sentimento de “puxa vida, eles têm milhares de clientes e todo mundo deve passar por esse mesmo problema idiota, por que não resolvem isso logo e evitam dezenas de milhares de ligações? ”... Isso vai irritando qualquer um, o produto da empresa vai deteriorando, lentamente se distanciando da necessidade do cliente e do mercado, e as páginas e vídeos de “eu odeio a empresa X” viram piada nas redes sociais, e finalmente vendas começam a ser perdidas.
Portanto, o SLA é o pior tipo de remédio que existe, aquele que trata o sintoma e não a causa, que continua se agravando lentamente. E quando ela começa a aparecer, somos induzidos a simplesmente aumentar a dosagem.
O SLA vira o paraíso dos burocratas, mascara e aumenta o real problema raiz da empresa, já que o investimento não deveria ser feito na área de atendimento do Luizinho, e sim na área de desenvolvimento e testes do produto, usando-se a informação sincera e clara da área do Luizinho para traçar o caminho. Não temos que agilizar o atendimento – temos que buscar incansavelmente eliminar a necessidade dele. Aí os poucos clientes que precisarem do atendimento falarão com gente capacitada e terão toda a atenção do mundo.
Mas se SLA é prejudicial, qual a métrica que sobra para medirmos o atendimento?
Eu costumo usar duas: a quantidade de vezes que o mesmo problema acontece, e a quantidade de chamados totais que são gerados por cliente, em cada fase de adoção do sistema (já que clientes novos demandam mais atendimento, normalmente).
Então vamos lá, aqui estão os maiores mandamentos que aprendi nos últimos 25 anos para um bom atendimento:
1. Não existe cliente burro. Se o cliente teve uma dúvida, é porque existe algo que poderia ser melhorado no produto ou na oferta, então o compromisso da empresa deve ser maior com o aprendizado do que com o SLA.
2. Acelere o ciclo “do aprendizado para a prática”. Aumentar a velocidade para liberar uma melhoria ou ajuste, dando uma solução definitiva, é muito mais importante para o cliente do que a velocidade em fechar o chamado.
3. Poucos e bons atendentes. Um atendente muito bom e com conhecimento profundo resolve por 3 ou mais atendentes com metade do custo
4. Invista em boas ferramentas. Qualquer que seja o custo delas será menor do que a improdutividade de gente boa e cara.
Então é isso. Reforçando, só podemos fazer o atendimento melhorar se buscarmos acabar com a necessidade dele. O verdadeiro hack para um atendimento incrível é buscar a causa raiz dos problemas, pois como sempre apenas teremos as respostas quando começarmos a fazer as perguntas certas.
Marcelo,
Muito bom!
Parabéns!
Abs,
Eduardo.
Posted by: Eduardo Calelo | 26/08/2015 at 07:32
Muitbom Marcelo, já pensou em incluir um helpdesk no Omie?
Abraços,
Ricardo Barboza
Posted by: Ricardo Barboza | 26/08/2015 at 07:55
Parabéns Marcelo. Seus posts sempre são matéria prima interessante para repensar paradigmas.
Abraços
Bruno Prochnow
Posted by: Bruno Prochnow | 26/08/2015 at 08:28
Marcelo,
Muito interessante esta visão do SLA. Concordo com essa linha de raciocínio.
Parabéns.
Posted by: Leo Vieira | 26/08/2015 at 11:39
As ferramentas modernas de helpdesk envolvem também o proprio cliente no processo de resolucao como muita eficácia. Nao há espaço pra um atendente "jogar a batata quente" para um outro atendente ou um outro nível, pois uma reversão é registrada e ponderada no processo todo. O SLA é compromisso com a qualidade, agilidade e eficácia de todo o processo. Se nao medimos e nao nos comprometemos com as métricas corremos um sério risco e ficamos só no fisiologismo.
abs
Luiz Cunha
Posted by: Luiz Cunha | 26/08/2015 at 12:23
Excelente! Gostaria de compartilhar, se vc me autorizar.
Abs,
Rogério
Posted by: Rogério Tavares | 26/08/2015 at 15:01
Oi, Luiz Cunha! Essas ferramentas que você diz são ótimas e estão disponíveis há mais de 15 anos - e o suporte, na visão do cliente, só piorou neste tempo. Isso não invalida a ferramenta. Apenas digo que nenhum suporte será bom se o produto não corresponder, e muitas vezes ele não corresponde pela forma como o suporte é gerido. Simples realimentação negativa. No final, produto bom é o deixa a sensação de suporte boa, e você mais que ninguém sabe disso ;-) Abração!!
Posted by: Marcelo Lombardo | 26/08/2015 at 17:07
Bom dia Marcelo e a todos!!
Vc está certíssimo em relatar alguns dos problemas que são gerados com a adoção de SLAs, porém, na minha opinião oque gera esses problemas não são os SLAs em si,mas as METRICA elegidas pela empresa, porque havendo GESTÃO e foco não apenas na quantidade de fechamento, mas na RESOLUÇÃO do Incidente, quantos chamados são reabertos,por exemplo, avaliar a qualidade, é uma excelente pratica pra gerar informações e gerenciar o recurso, medir tempo, dando assim prazos aproximados para cada ocorrência, tratando diferentemente incidente, problema, mudança.. A bonificação pode ser feita juntamente com uma pesquisa de satisfação, as metas de SLAs "batidos" podem ser reavaliados.. mas essa é só a minha opinião! Quanto a ter vários níveis, acho importante algum filtro ou melhor, direcionamento, pra não sobrecarregar seus melhores profissionais, o tempo dele é mais raro.. um script bem feito, pode ajudar o cliente e o profissional.. :D
Posted by: Helaine | 22/09/2015 at 11:42
Muito boa matéria, parabéns..
Posted by: adriano m s giroto | 28/10/2015 at 23:38
Meu amigo, seu artigo é sensacional. Parabéns!! Você foi na artéria do problema. A preocupação com o SLA não pode ser mais importante que a preocupação com a satisfação do cliente e com a qualidade do produto! Muito bom, tenho vivenciado este problema.
Posted by: Rodrigo Vidal | 22/03/2017 at 21:50