Acho que todo o mundo já ouviu aquela história sobre o peixe que para ser assado deveria ter a cabeça e o rabo removidos. A esposa fazia assim pois sua mãe fazia assim, e essa porque a mãe dela fazia assim. Um dia encontraram a velha senhora e ela explicou o motivo: porque na época eu tinha apenas uma assadeira pequena.
Não sei o quanto você conhece a indústria de software, mas as novidades e melhorias de um sistema sempre ficaram guardadas a sete chaves até estarem prontas para serem distribuídas, ao menos como Beta, e ninguém nunca sabe ao certo o que é prioridade e o que não é na cabeça da software house. Ninguém sabe se aquele recurso super solicitado estará na próxima versão ou não. Eu mesmo, que estou há 25 anos na área, fiz dessa forma a maior parte da minha vida. Só que de repente veio a pergunta: por que o mercado age assim? Por que nós agimos assim?
Saí pela empresa perguntando aos cabeças de produto o motivo por tras desse comportamento e ninguém soube me explicar... a melhor resposta foi "ah, é para evitar que a concorrência lance uma novidade antes de nós". Do ponto de vista estratégico pode estar correto caso você tenha em mãos uma inovação disruptiva (o que é bem raro), mas por outro lado quantas coisas erradas ou desfocadas da real necessidade da maioria são lançadas, frustrando clientes e desmotivando parceiros ?
A verdade é que estávamos a frente de mais um paradigma do qual o mercado de software meio que já se acostumou. Todo mundo faz dessa forma há tanto tempo que não consegue mais lembrar o motivo real.
Mas falar é fácil, então decidi arriscar em conjunto com a nossa equipe. "O pior que pode acontecer é lembrarmos o real motivo de sempre todos terem feito assim", brincou um engraçadinho. Brincadeiras a parte, estávamos com medo - havia muito pouco planejamento, e como uma pessoa iria reagir ao ver a sua necessidade no final de uma lista imensa era algo imprevisível.
Bem, fizemos: montamos um pequeno evento restrito a parceiros mais próximos para abrir todo o nosso planejamento, validá-lo e priorizá-lo em conjunto. Não mais do que 40 pessoas, contando as presenciais e as conectadas on-line.
Esta última atividade (priorização) é a mais vital em uma empresa de software. Sempre, sempre mesmo, haverá muito mais idéias e necessidades do que a capacidade de desenvolvimento, independente se estamos falando da Omiexperience ou da Microsoft. Isso é regra geral, portanto saber priorizar é saber fazer o melhor uso dos recursos mais caros da empresa.
Começamos o evento com uma parte educativa, explicando rapidamente como se gerencia requisitos e como se prioriza os itens. Acho que é sempre bacana para o consumidor curioso saber como é o chão de fábrica do produto que ele usa diariamente, mas no nosso caso era muito necessário, pois agora o cliente estava na fábrica, e se ele entendesse porque as coisas são como são, haveria uma boa chance dele ficar do nosso lado, colaborando da forma certa.
E foi exatamente isso que aconteceu no sábado passado. Mostramos o roadmap atual do Omie e seus diversos requisitos, selecionados estrategicamente de um banco de ideias de mais de 800 itens, e de repente todos estavam discutindo como se fossemos uma única empresa, todos alinhados em fazer o melhor do ponto de vista do cliente.
Então está aí, mais um paradigma da indústria de software que morre aqui, mito detonado. Mas sei que muita gente especialista da área pode estar pensando: "nós aqui da empresa bla bla bla coletamos as necessidades via uma ferramenta X Y Z e conduzimos pesquisas e estudos junto a clientes, ouvindo a voz do próprio cliente, para criar e priorizar os requisitos - não é a mesma coisa ou até melhor ?"
A resposta curta: sim caso você queira um software do tipo "mais do mesmo".
A resposta longa: o problema não é o que o cliente fala, é o que ele não fala. Já vi web sites onde os clientes cadastram as funcionalidades que gostariam de ver no produto em uma espécie de forum, todos debatem e a empresa de software executa as mais votadas, mas isso na minha opinião não funciona, a menos que a sua equipe tenha zero de criatividade e você queira fazer "mais do mesmo".
Se você tem uma equipe com criatividade, os requisitos não podem ser definidos pelos clientes, ponto final. Henry Ford disse: se eu perguntasse a meus clientes o que eles queriam, eles diriam simplesmente cavalos mais rápidos. Portanto a equipe que define os requisitos precisa ser muito especial - pois todos já vivenciamos isso:
- "o que" o software A e o software B fazem é igual;
- "como:" cada um deles faz é muito, muito diferente.
Portanto, um super produto de software não se faz apenas com uma boa tecnologia e uma boa metodologia. Se faz principalmente com uma excepcional equipe, e os clientes (muitas vezes representados pelos consultores e vendedores que estão em campo) retornam à mesa no enriquecimento e na priorização.
Parabéns Marcelo, a co-criação com o cliente é fundamental para aproveitar a experiência coletiva de visões diferentes, porém complementares. Desejo sucesso a sua empresa e toda a sua equipe.
Rui Cadete.
Posted by: Rui Cadete | 22/04/2015 at 21:59
Parabéns Marcelo, li seu post através de um link colocado em nosso grupo de Skype. Vivencio isso a mais de 20 anos, sempre achando que devo estar correndo atrás de normas e leis do governo para poder cumprir o fisco. Falta tempo para a criatividade, reconheço isso. Abraço, Ademir Mantovani
Posted by: Ademir Mantovani | 26/04/2016 at 17:13