É sério isso mesmo? Em pleno ano de 2014, com a economia estagnada e crescimento do país quase zerado, existem empresas dispensando clientes?
Sim, é verdade, e o paradoxo é esse: contadores estão dispensando clientes por um conjunto válido de motivos. Mas está certo isso? Provavelmente não, como veremos.
O primeiro motivo é que essa estagnação atual do mercado não é verdadeira nas empresas do ramo de contabilidade. O governo, com sua sede de arrecadação, está exigindo um nível cada vez maior de formalização e organização do contribuinte, e nesse cenário o (bom) profissional de contabilidade ganhou uma importância nunca vista no Brasil. Isso quer dizer que quem consegue esclarecer e resolver a vida do cliente, apesar da burocracia, vale ouro e está até o teto de trabalho.
O segundo motivo é que pelo artigo 1.177 do código civil, “a responsabilidade dos profissionais de contabilidade é direta, pessoal e solidária no caso de prática de atos dolosos”. Em outras palavras, o contador é responsável pelas informações enviadas ao fisco em nome do seu cliente – e isso significa risco.
E o risco é alto, já que a empresa de contabilidade pode ser entendida como uma fábrica, que busca as informações do cliente, as transforma e gera vários produtos acabados: contabilidade, apurações de impostos, arquivos a serem enviados ao fisco, entre diversas outras coisas. A matéria prima dessa fábrica é informação gerada pela empresa cliente, e a qualidade dela depende inteiramente da sua gestão e organização internas. Agora, e se a matéria prima dessa fábrica é de baixa qualidade, adivinha o que vai sair do outro lado? Isso mesmo que você pensou... Vai sair algo que ninguém quer se responsabilizar.
Então é isso: Mercado contábil aquecido + Cliente com risco = Fila anda
Só isso? Não. Empresa desorganizada gera mais uma coisa desagradável para o escritório de contabilidade além do risco: o custo. Quanto pior a qualidade da matéria prima, mais trabalho isso gera na fábrica.
Muitos escritórios que conheci apuram o custo por lançamento contábil, sabendo exatamente a margem de lucro de cada cliente. E segundo muitos depoimentos que ouvi, cliente que gera risco também gera custo excessivo. Isso parece ser uma regra geral.
Mas calma lá: então o único culpado dessa “demissão” é o próprio cliente? Nem sempre. Numa relação complexa como essa dificilmente um lado é totalmente inocente e o outro totalmente culpado.
O lado negativo que a grande quantidade de obrigações fiscais gera é que muitos contadores não tem tempo para executar uma das suas principais funções: orientar o cliente. Esse trabalho pode ser árduo mas tem que ser feito com insistência. Se a empresa gera informação de baixa qualidade para o contador, este precisa explicar as possíveis consequências e prestar orientação ao cliente.
Nisso, muitos contadores falham involuntariamente. São capazes de jurar que estão orientando, e que o cliente negligenciou ou simplesmente não se mexeu, por mais que ele explique e insista.
O que esses contadores esquecem é que eles falam um idioma bem diferente do cliente. Em pleno 2014, boa parte dos contadores ainda não entendeu que o empresário brasileiro só pensa em duas coisas: vender mais e gerar resultado. E como ele rarissimamente planeja “como” vai conseguir isso, vive apagando incêndio e correndo atrás do prejuízo. Ah, e quanto menor a empresa, pior é este cenário. Então aqui vão algumas dicas para os nossos contadores:
- Se envolva mais no negócio do cliente. Descubra os detalhes operacionais da empresa;
- Ao invés de apenas “entender o negócio do cliente”, é bem mais importante “entender como o empresário entende o negócio dele”. Você ficará surpreso em como essas duas coisas podem ser diferentes;
- Empresas são pessoas. Conheça essas pessoas, principalmente aquelas que estão na base da pirâmide e que são a origem da informação que chega a você;
- Descubra formas do empresário ganhar mais ou gastar menos. Se você conseguiu isso ao menos uma vez, o empresário vai começar a prestar muito mais atenção a você e em suas orientações;
- Não reclame do governo. Tudo tem um lado bom, até as incontáveis exigências fiscais atuais;
- Ataque com tecnologia. Tecnologia é sem dúvida a melhor forma de melhorar a qualidade da informação na sua origem;
A lista acima exige tempo e investimento do contador, e acaba que existem casos onde “demitir o cliente” pode parecer mais fácil ou barato nos dias atuais, mas e no futuro? Será que a balança vai continuar inclinada para um lado para sempre? Quem já viveu um pouco sabe que não... E se você contador enxerga no longo prazo, vai perceber que vale muito mais a pena aprender a falar esse idioma confuso, a língua do empresário brasileiro, do que demiti-lo.
Marcelo Lombardo
www.omie.com.br
Concordo com tudo. Parece que vivemos fantasias.
Posted by: zelia | 07/08/2014 at 13:12
Marcelo, as empresas de programação serias é a mesma coisa dos contadores. Pode fazer uma matéria igual, hoje o programador trabalha pra fazer o que o governo 'INVENTA'.
Posted by: Marcio A.Fornari | 08/08/2014 at 15:05
Excelente abordagem. Acrescento que os empresários que delegam aos Escritórios de Contabilidade a responsabilidade pelas suas obrigações legais, precisam também melhorar sua cultura e entender mais o valor entregue por esses prestadores de serviço.
Posted by: Celso Furlan | 08/08/2014 at 20:32
Muito bem exposto o tema, mais escritórios de contabilidade, e um jato em movimento, a velocidade das informações são dinâmicas, não que o contador, não queira investir no cliente, mais a maioria dos escritorios são pequenos, e muitos dependem de clientes, e estes não aceitam sugestões do contador, ainda temos muitas empresas e administradores, moldados na pratica de seu negocio sem conhecimento administrativo, ou capacitação basica, e o pior não acreditam no contador, acham ele um mau necessario, acredito que seja estas situações que fazem os contadores demitirem seus clientes, minha opinião.
Posted by: Devair | 09/08/2014 at 10:05
Ótima matéria, aborda a realidade, os escritórios de Contabilidade sérios tem aumentado seu custo operacional, pois depende de profissionais bem treinados e comprometidos com a qualidade nas informações e grande parte das organizações empresariais não tem levado a sério as mutações mercadológicas e exigências fiscais pelos entes públicos. Se não mudarmos a cultura de pensar que o faz de conta existe, então preparem-se que a realidade é outra
Posted by: Evandro | 11/08/2014 at 19:01
Parabéns pelo artigo de lucidez impar.
Posted by: Luciano Inocêncio | 22/08/2014 at 11:43
Marcelo, uma excelente abordagem sobre esta realidade. Demitir clientes, na minha opinião, é a ultima ação depois de um trabalho insistente de educação contábil, financeira e fiscal. O trabalho exige muita dedicação e proximidade dos clientes. No entanto, não vejo caminho mais fácil para melhorar a relação. Talvez o desafio seja um pouco maior ainda. Escritorios de Contabilidade precisam entender que são EMPRESAS de Contabilidade antes mesmo de começar um trabalho educativo com clientes.
Posted by: Simoni Luduvice | 27/08/2014 at 16:21
Concordo e discordo
Cliente ruim é aquele que nao paga honorário mesmo tendo caixa para isso, dispense todos mal pagadores, sao geradores de problemas.
E como assim não reclame do governo? Reclame sim do governo! Como profissional, como contribuinte, como cidadão, como brasileiro, como empresario! Esta tudo uma m@#%¨# mas tem margem para piorar. O governo nao é voltado para o empreendedorismo, o pais esta afundando com a corrupção, com burocracias, nao vejo lado bom algum nisso, somente para os burocratas. Se aqueles que mais entendem do governo nao reclamam imagine o resto. Esta tudo como esta pois contadores sao receosos, tem medo, sem generalizar.
Nao é a tecnologia que deve atacar mas sim as pessoas, invista nas pessoas que estao no seu time.
No mais é isso ai, o empreendedor brasileiro ainda é carente, imaturo, precisa de mimos, melindroso e via de regra de não cultura financeira alguma, mesmo os mais instruídos. Alguns querem vantagens e nao tem o habito de ler.
Posted by: Junior | 01/10/2014 at 10:31
Marcelo,
Show de artigo, muito bom mesmo! Retrata justamente o que as empresas de contabilidade estão vivendo neste momento.
Infelizmente o empresário Brasileiro tem muito a aprender em administrar e gerenciar de seu negócio, e julgo que está em nossas mãos auxiliá-lo nesta empreitada.
Posted by: Marciléia G.R.Criscuolo | 02/10/2014 at 07:49
Ótimo artigo, Marcelo! Compartilho de sua visão e creio que em cinco ou dez anos, pessoas como você e eu consigamos dar novos rumos à contabilidade no Brasil. Teremos empresas com menos corrupção e informações fidedignas, bem como, contadores valorizados.
Posted by: Othon | 01/12/2014 at 07:58
Eu concordo com o título. Porém, morando no Brasil, estamos longe de dar fim a impunidade, a corrupção e a sonegação. Aliás, eu acredito que países como o nosso onde as exigências são demais são os piores no âmbito do controle. Quanto mais regras, mais fácil a corrupção. Enquanto a impunidade estiver nos altos escalões do país, os menores pagarão pelos maiores e os que podem mais, continuarão a chorar menos.
Posted by: Rodrigo Vidal | 10/12/2014 at 23:27