Quando Sean Parker iniciou em 1999 o Napster, que foi um dos primeiros serviços de compartilhamento de MP3 na Internet, ninguém imaginava que isso era o começo do fim. Fim de uma indústria que ditava as regras há quase 100 anos no mundo da música, cobrando o que quisesse de artistas e consumidores, pois eles possuíam o monopólio do canal de ligação entre esses dois grupos.
Não demorou muito para fecharem o Napster com força jurídica bruta, mas em seguida nascerem outros 10 semelhantes. Tentaram fechar esses novos serviços, processaram até pessoas comuns que baixavam músicas da Internet para servir de exemplo, em tentativas ridículas e inúteis (e até burras) de manter o seu status quo. Mas nada disso bastou para livrar as grandes gravadoras de um final agonizante.
Por esse prefácio você já deve imaginar o que é desintermediação bancária. Significa o começo do fim de uma indústria que está há mais de 500 anos mandando no mundo e cobrando o que quiser pelo monopólio do canal de ligação entre pessoas que possuem crédito e outras que precisam de crédito.
Desintermediação bancária quer dizer “tirar o banco da jogada”. Fazer negócios entre pessoas comuns através da Internet com muito menos burocracia do que através de bancos. Por exemplo, se você precisa de um empréstimo, hoje pode recorrer a vários sites de Social Lending ao invés de chorar para o seu gerente ou apelar para o FFF (family, friends and fools).
A lacuna para a desintermediação bancária funcionar é essa: os bancos cobram uma taxa muito alta de quem precisa de capital, e pagam uma remuneração muito baixa a quem investe capital, chegando essa diferença facilmente a mais de 400% no caso do Brasil. O que sites de desintermediação bancária fazem é oferecer algo mais vantajoso a ambas as partes, mantendo em alguns casos um fundo de provisão para cobrir eventuais calotes.
Portanto, já estamos vivendo o começo do fim, mas não vamos achar que os bancos irão cair de joelhos tão facilmente quanto as gravadoras.
Por que não vai ser assim tão simples ?
1 – Bancos possuem regulamentação governamental. Isso quer dizer que são vigiados pelo estado e seguem regras nacionais e internacionais. Por isso possuem fundos de proteção para depositantes que ainda estão engatinhando no mundo do Social Lending, com associações que pretendem criar uma auto-regulação no setor. Nos USA e Inglaterra já existem diversas dessas associações como a “P2P Finance Association”. Além disso, em países como o Brasil - onde a regulamentação bancária é muito mais alta do que nos mercados livres - muitas das atividades são por lei restritas a instituições bancárias.
2 – Bancos são muito mais inteligentes que as gravadoras. Eles sabem que de nada vale lutar uma batalha perdida. Ao contrário disso, eles estão até financiando ou investindo em algumas entidades de desintermediação bancária. Ao contrário das gravadoras, os bancos já aprenderam que as vezes é melhor ganhar um pouco menos do que não ganhar nada.
Os modelos
Existem alguns modelos diferentes de desintermediação bancária acontecendo por aí. Abaixo, alguns deles:
- Crowdfunding: consiste em um grupo grande de pessoas ou entidades financiando uma iniciativa ou um novo negócio, com ou sem fins lucrativos. Alguns exemplos: http://www.crowdcube.com/, http://www.seedrs.com/ e http://www.rockethub.com/.
- P2P Lending: trata empréstimos comuns entre pessoas com diversas finalidades, como a compra de bens ou imóveis, ou até para gastos pessoais. Veja por exemplo a https://www.lendingclub.com/, que tem o Google como um de seus investidores e a http://www.zopa.com/.
- Supply Chain Financing: sites voltados a financiar a cadeia de suprimentos de uma determinada indústria, equilibrando o fluxo de caixa com a reorganização das carteiras de pagamentos e recebíveis. Alguns exemplos de grande sucesso são a http://recx.com/ e a http://marketinvoice.com/.
Quanto maior é o gigante, maior é a queda
Outro motivo pelo qual não será simples a virada do Social Lending é o porte do sistema atual. A indústria bancária é imensamente grande e financia até os governos, e nada desse tamanho cai facilmente ou rapidamente. E o fato é que hoje, a desintermediação bancária não chega nem a fazer cócegas nesse gigante. Portanto, isso não será uma revolução, mas sim uma evolução, acompanhada de uma mudança de cultura das pessoas. Uma cultura mais baseada em confiança do que em garantias.
No Brasil
Países com um sistema judicial frágil, lento e confuso como o do Brasil geram um terreno que de certa forma incentiva os “espertos”. E isso é o exato oposto à cultura onde um sistema baseado em confiança pode funcionar.
Concluindo, se no mundo vai demorar, no Brasil vai demorar mais ainda. O excesso de regulamentação que temos aqui é o que esmagou há algum tempo a www.fairplace.com.br, site de P2P Lending brasileiro que foi notícia no mundo na sua abertura.
Não estou dizendo que a nossa regulamentação financeira seja boa ou ruim. Apenas constato que ela nos deixa muito atrás do resto do mundo, assim assim como em diversas outras áreas, onde certamente o que ganhamos de proteção não paga o que perdemos por atraso.
Mesmo o Brasil ainda oferecendo entraves a alguns métodos de desintermediação bancária, vale a pena ficar de olho nessa grande inovação, pois esse é um dos tópicos mais quentes do mundo. Se você se interessou, uma boa sugestão de leitura (em inglês) é essa matéria bastante recente da revista The Economist, que você acessa clicando aqui.
Excelente artigo, Marcelo! Parabéns!
O mundo caminha mesmo para a "socialização" e "colaboração" em vários setores, sob vários aspectos, e com os bancos não será diferente. Cedo ou tarde a hora deles chegará, mesmo no Brasil.
Posted by: Maurilio Viana | 23/04/2014 at 11:58
De fato! Mas eu adicionaria um quesito, que é o fato do produto final ser realmente interesante para o mercado, pois em caso contrário, seja por conta do governo, seja por conta do software apresentado e suas funcionalidades, nada disto vai valer no médio prazo e daí pra frente...Estou sendo meio apocalíptico talve ou talvez isso aconteça mesmo!
Posted by: Lister Viegas | 25/04/2014 at 20:14
Interessante evolução. Um amigo em seus pensamentos que julguei "ideais inatingíveis", falou sobre esse tipo de ação e comportamento baseado em confiança. E agora vendo que em países mais "sérios", este princípio começa a florescer.
Genial, pena que no Brasil esse tipo de ação é muito reduzida e localizada, resumido a "moedas locais" e "escambo", dentro de comunidades pequenas e quase isoladas.
Espero esse dia em que bancos sejam tão essenciais quanto uma cárie. :)))
Posted by: Wilson | 28/04/2014 at 15:25
Senti falta do maior e mais eficiente desintermediador bancário da atualidade que movimenta mais de 7$ bilhões por ano o ainda pouco conhecido, o Bitcoins....
Posted by: Miguel Villaça | 20/06/2014 at 09:13
http://banky.co
Posted by: Leonardo | 07/08/2014 at 15:37
Muito bom!
Já conhecem a https://btcjam.com/
Brasileiro também pode pegar empréstimo e emprestar
(não sou dono e não ganho nada com o https://btcjam.com/)
A moeda utilizada é o Bitcoin, que você pode trocar por dólares ou reais aqui no Brasil, em www.bitcointoyou.com
Posted by: André Horta | 20/08/2015 at 14:47